quinta-feira, 29 de abril de 2010

Um cordel sobre leitura


Um cordel sobre leitura
Autoria: César Obeid
2004)



Vou armar esse cordel
De um jeito diferente
Pois eu já falei de fábulas
Ou então do sertão quente
Mas de livros, digo agora
Monto rimas sem demora
Ofereço esse presente.

Livros em bibliotecas
Lá dos bairros ou escolares
Livros em casa de pobre
Ou de quem come manjares
O dinheiro não importa
Que agora eu abro a porta
Livros em todos lugares.

Quero livros na estante
Ou então na cabeceira
Quero livros na cozinha
Livro sério ou brincadeira
Livro caro ou bem barato
Na cidade ou no mato
Menos livro na fogueira.

Livro existe com leitura
Cada página, uma história
Livro existe se contado
Com ou sem dedicatória
Fino, grosso, grosso ou fino
Para adulto ou menino
Ler um livro é uma vitória.

Livro de intelectual
Às vezes comprado em sebo
Com as páginas amarelas
Cada fungo ali percebo
Quero essa informação
Dentro do meu coração
Tudo lendo eu recebo.

Quero mais que alfabeto
Mais do que abecedário
Quero ver cada leitor
Já Dizendo: - Eu sou páreo
Pois eu tenho a leitura
Com total desenvoltura
Dentro do meu calendário.

Livros de todos os gêneros
Pra leitura tem a chance
Só não vai ler quem não quer
Aprofunde seu relance
Terror ou contos de fadas
Belas páginas ilustradas
Pros amantes tem romance.

A leitura é um universo
Seja prosa ou poesia
Ao ganharmos um leitor
Nosso mundo é alegria
A leitura é arte pura
Pois povo sem leitura
É como um cego sem guia.

Seja ela feita oral
Seja introspectiva
A pessoa quando lê
Deixa sua vida viva
Trás pra si todo talento
Por nenhum conhecimento
Do universo não se priva.

Pois narrando essa leitura
Eu produzo o arranjo
Sinto toque de viola
Clarinete, flauta e banjo
Afinal, o saber tinge
Que a leitura sempre atinge
A criança e o marmanjo.

Pois contamos para o mundo
O quanto a leitura é grande
Peço então, caro leitor
Vire uma página e ande
Não cometa ladainhas
Ande sempre em novas linhas
Novo mundo se expande.

A leitura é importante
É quebrar sempre o jejum
Um leitor é sempre ativo
Não é um homem comum
Até a doença cura
Pois um povo sem leitura
Não vai à canto nenhum.


Faço já comparação
Nesta estrofe eu aprumo
Pra o caminho dos bons livros
Eu indico o certo rumo
Livro é calado e garganta
A leitura é como a planta
Rego, planto e consumo.

Livros são meus companheiros
São as flores do jardim
São suspenses, dores, vidas
Calmas, risos, estopim
O poeta então revela
Nunca eu vivo sem ela
Ela não vive sem mim.

A leitura inicia
Pelos olhos da razão
E trespassa calmamente
Para nossa intuição
Pelos olhos bem começa
O ouvido então processa
Chega ao nosso coração.

Meus amigos, parto já
Findo essa poesia
Eu termino o meu cordel
Com amor e alegria
O poeta vai embora
Mas, retorna noutra hora
Adeus, até outro dia.


Fonte: http://www.teatrodecordel.com.br/

terça-feira, 20 de abril de 2010

Carta: O que é?


carta
car.ta
sf (gr khártes, pelo lat) 1 Escrito, fechado em envelope, que se dirige a alguém; epístola, missiva. 2 Mapa geográfico ou topográfico. 3 Designação de diversos títulos ou documentos oficiais. 4 Cada um dos cartões, marcados em uma das faces com figuras ou pintas, e que formam o baralho. 5 Cartilha. 6 Diploma que se confere ao indivíduo que completou um curso, tomou grau ou concluiu a formatura. 7 Credenciais. 8 Hist Documento através do qual um governo toma decisões importantes no terreno político ou social: Magna Carta da Inglaterra, em 1215; Carta Constitucional do Brasil, em 1824. C. aberta: a que se dirige publicamente a alguém pelas colunas de um jornal. C. avocatória, Dir: carta por meio da qual o juiz ou tribunal avoca determinado feito aforado em juízo de hierarquia inferior, por atribuir-se competência para o conhecer. C.-bomba: carta que traz em seu interior algum explosivo, destinada a explodir ao ser tocada de determinada maneira ou no momento em que é aberta. Pl: cartas-bomba. C. branca: a) carta de jogo sem figura; b) carta sem valor para verificação do resultado do jogo; c) autorização para proceder como quiser; plenos poderes. C. constitucional, Polít: o mesmo que constituição, acepção 6. C. de alforria: patente ou escritura pela qual o senhor dava liberdade ao escravo. C. de aviso: carta que avisa de saque. C. de crédito: documento pelo qual um negociante abre crédito para com outro a favor do portador. C. de marear: mapa em que se marca diariamente a posição do navio, tomando a latitude e a longitude. C. de naturalização: diploma ou título em que se confere a um estrangeiro a naturalização. C.-de-prego: a) carta fechada que contém instruções ou ordens secretas, para serem conhecidas somente em dadas circunstâncias; b) mapa geográfico ou celeste. C. do ABC: cartilha, livrinho para aprender os primeiros elementos da leitura. C. executória: a que se passa para fazer execução fora do termo da cidade onde assiste o juiz da causa. C. invitatória: a que é dirigida pelo papa aos bispos, convidando-os a comparecerem em Roma no dia aniversário de sua exaltação ao sólio pontifício. C. náutica: carta de marear. C. patente: documento que contém obrigações, doações, mercês públicas e é dirigido em geral a todos os que o virem; patente. C. precatória, Dir: a que é dirigida pelo juiz de uma circunscrição ao de outra, para que este faça ou mande fazer citações, inquirição de testemunhas ou outros atos judiciais necessários ao processo que corre naquela circunscrição. C. registrada: a que é enviada pelo seguro do correio, cuja administração fica responsável pelo seu valor para com o expedidor, no caso de extravio. C. rogatória: solicitação escrita dos paroquianos de uma ou mais freguesias, dirigida ao metropolitano para este sagrar bispo o indivíduo designado por eles. C. sinótica: carta escrita em nome dos concílios aos bispos ausentes. C. testemunhável: recurso dirigido a tribunal de instância superior para que avoque a si processo de cuja sentença ou despacho o juiz inferior não admitiu agravo. C. topográfica: carta em que se marca a topografia de cidade ou país. Cartas chilenas, Lit: célebre panfleto, escrito em versos brancos, contra Luís da Cunha Meneses, governador de Minas Gerais (1786). Há controvérsia sobre a autoria, atribuída principalmente a Alvarenga Peixoto. Dar as cartas: ter grande prestígio na política; pôr e dispor. Deitar cartas: predizer o futuro. Jogar com cartas dobradas: ter mais de um recurso.

Fonte: Dícionário Michaelis - UOL

Roteiro: O que é?



roteiro
ro.tei.ro
sm (rota2+eiro) 1 Náut Livro em que se encontra a descrição das costas marítimas, das correntes, dos baixios, dos climas, dos ventos, de tudo enfim que pode estorvar ou favorecer a navegação. 2 Descrição pormenorizada de uma viagem importante; itinerário. 3 Exposição completa e metódica das ruas, monumentos, museus, panoramas etc., existentes numa localidade e dignos de serem visitados. 4 Norma, regulamento. 5 Conjunto de indicações orientadoras da vida. 6 Teat Relação, tirada pelo contra-regra, de todos os objetos que têm de figurar nas peças (cabeleiras, roupa, mobília etc.). 7 Cin Guia minucioso de filmagem com os elementos técnicos do filme, como título, número das seqüências, enumeração e designação dos planos, movimentos de câmara e atores, diálogos, ruídos e música. 8 Em televisão, dupla relação desenvolvida em duas colunas, constando, na primeira, na ordem de aparecimento em cena, a relação de objetos e movimentos; na segunda, defronte, as falas que lhes devem corresponder no tempo.


Fonte: Dicionário Michaelis - UOL

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Trecho do roteiro do filme "Harry Potter e o Enigma do Príncipe"






TRÊS VASSOURAS

Momento anterior em que Cátia Bell é amaldiçoada pelo colar.

53 – INT. TRÊS VASSOURAS – MAIS TARDE – DIA

Enquanto o trio entra, Harry olha ao redor e localiza Slughorn no bar, sentado rechonchudo em um banco.

HARRY
Não. Para lá.

Hermione e Rony, em meio ao movimento de se sentarem em uma mesa perfeitamente aceitável – e limpa -, vêem Harry se sentar em uma com restos espalhados do cliente anterior – mas que o coloca em visão direta de Slughorn. Eles trocam olhares, encolhem os ombros, e se juntam ao Harry. Rony começa a pegar a cadeira diretamente oposta ao Harry – bloqueando a sua visão.

HARRY (CONT.)
Não, não. Sente ao meu lado.

Rony pára, troca outro olhar com Hermione.

RONY
Ok.

Uma CRIANÇA MAGRICELA aparece em um avental, arremessa um TRAPO IMUNDO na mesa – que começa a limpar a superficie sozinho. Harry estica seu pescoço sob a criança para manter Slughorn à vista.

CRIANÇA MAGRICELA
O que nós vamos ter?

HERMIONE
Três Cervejas Amanteigadas. Com um pouco de gengibre na minha, por favor.

A criança ASSOBIA e o trapo salta de volta ao seu bolso. Harry continua a olhar Slughorn, quando ele vê Draco. Eles se olham brevemente e, em seguida, Draco sai.

RONY
Ah, caramba…

Harry se vira, e vê Rony irritado com Gina que senta em um canto escuro com Dino, seus rostos iluminados por uma vela com chama se apagando.

HERMIONE
Ah, francamente, Ronald. Eles estão apenas segurando as mãos… (quando Dino beija Gina) e se beijando.

RONY
Eu gostaria de ir embora.

HERMIONE
Sair? Você não pode estar falando sério.

RONY
Acontece que ela é a minha irmã.

HERMIONE
E daí? E se ela olhasse para cá e visse você me beijando? Você esperaria que ela se levantasse e saísse?

Rony pisca, totalmente sem fala. Então:

SLUGHORN
Harry, meu garoto!

A voz de Slughorn RETUMBA tão alta que até Gina salta – e pega Harry a olhando. Enquanto Slughorn caminha desengonçado, com uma caneca derramando na mão, Harry se levanta imediatamente – uma ação tão grosseiramente fora da sua personalidade que Hermione o observa com divertida curiosidade.

HARRY
Olá, senhor. É maravilhoso ver você.

Hermione, com a testa franzida, se vira para Rony e balbucina silenciosamente: é maravilhoso ver você?

HARRY (CONT.)
Então, o que o traz aqui, senhor?

SLUGHORN
Ah, o Três Vassouras e eu temos uma história. Mais longa do que eu gostaria de admitir. Na verdade, eu me lembro quando ele era simplesmente o Uma Vassoura.

Enquanto Slughorn GARGALHA, Harry acompanha, também RINDO ENERGICAMENTE. A barriga de Slughorn treme próxima à bochecha de Hermione e a sua mão agita a caneca, espirrando seu conteúdo ao redor e pingando na mesa.

SLUGHORN (CONT.)
Opa! Mãos à postos, Granger!

Hermione sorri sem graça, quando um ASSOBIO é ouvido e o TRAPO IMUNDO está de volta, tirando rapidamente a sujeira de Slughorn enquanto a CRIANÇA MAGRICELA desliza três canecas espumantes para a mesa. (No plano de fundo, Cátia Bell aparece por trás e se dirige a saída. Sua amiga LIANA a segue para fora.)

SLUGHORN (CONT.)
Ouça, meu garoto. Nos velhos tempos, eu costumava fazer um jantar casual e convidar um ou dois estudantes selecionados. Você estaria dentro.

HARRY
Eu considero isso uma honra, senhor.

SLUGHORN
Você também seria bem-vinda, Granger.

Hermione, no meio do ato de esvaziar a sua Cerveja Amanteigada em um grande gole, BATE FORTE a sua caneca na mesa – deixando para trás um “bigode”.

HERMIONE
Estou lisonjeada, senhor.

SLUGHORN
Brilhante! Esperem pela minha coruja.
(ao sair, para Rony)
Prazer em vê-lo, Wallenby.

Rony franze as sobrancelhas e se vira para Harry enquanto Slughorn sai desengonçado.

RONY
O que você está encenando?

HARRY
Dumbledore me pediu para… começar a conhecê-lo.

RONY
Começar a conhecê-lo?

HARRY
Não sei. Mas deve ser importante, caso contrário Dumbledore não pediria.

PAM! Rony se vira e vê que Hermione também esvaziou a sua caneca. Rony faz gestos para o lábio superior dela.

RONY
Hm… você tem um pouco…

Sem hesitar, ela move sua língua para fora, passa e limpa o lábio.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Literatura de Cordel

O javali, o cavalo e o caçador

Um cavalo e um javali pastavam no mesmo campo. Como o javali destruísse o capim e sujasse sua água, o cavalo pediu ao caçador para acabar com ele:

- Eu te ajudarei - disse o caçador -, desde que te ponha um cabresto e monte em ti.

- Certo - disse o cavalo.

Foi assim que o caçador montou no cavalo e deu cabo do javali; depois, levou o cavalo para casa e o prendeu no estábulo.

MORAL: Algumas pessoas sacrificam a própria liberdade para se vingar dos outros.


Esopo. Tradução de Antônio Carlos Vianna. Fábulas de Esopo. Porto Alegre: L&PM, 2001.










Leitura e compreensão de textos

1) Identifique as características formais do poema de cordel.

a) Há quantas estrofes no poema?

b) Há quantos versos em cada estrofe?

c) Em cada estrofe, quais versos rimam entre si?


2) Alguns comportamentos negativos do cavalo foram destacados nessa fábula recontada em cordel. Quais?


3) Entre as características apontadas, qual levou o cavalo a se aliar ao homem?


4) Reconte, de maneira clara, a situação que levou o cavalo a ser escravizado.

Personagem: Elemento da Narrativa


Os dois elementos sem os quais a narração não pode se articular são as personagens, isto é, os seres que vivem a história narrada, e também o enredo: o encadeamento de ações que a estrutura.




Tipos de personagens

Você já sabe que normalmente o enredo de uma história se baseia num conflito. Pode-se tratar de um conflito de interesses ou de desejos entre personagens, do (s) personagem (ns) com o mundo, ou ainda, do (s) personagem (ns) consigo mesmo (s).

Na montagem do conflito, há personagens protagonistas e antagonistas, que são as personagens principais.

Além destes, há personagens-ajudantes, que auxiliam na percepção do tipo de conflito, dos jogos de interesses, enfim, dos elementos estruturais da história.

Lembremos de Caso de Secretária, neste texto, a narrativa se estrutura em função de um suposto conflito de desejos entre protagonista (o aniversariante) e antagonistas (a família). No entanto, no desfecho percebemos que na verdade se trata tanto de um conflito quanto de um antagonismo aparentes, e não reais, o que contribui com o comentado desfecho inesperado da história e também com seu tom de leveza e humor.

Tal percepção ocorre por meio do comportamento da secretária, que primeiro intensifica e depois dilui o pretenso conflito ... Ela é, portanto, um exemplo de personagem-ajudante. Repare que a menção desta personagem no título do conto sugere a importância que possui, para a compreensão da história.




Modos de apresentação de personagens

Há dois modos clássicos pelos quais o narrador apresenta as personagens numa história: apresentação direta ou apresentação indireta.

1. a apresentação direta acontece por meio da descrição (que pode ser de traços físicos e/ou de traços psicológicos: sentimentos, pensamentos etc)
Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando.

2. a apresentação indireta acontece por meio de falas e de ações das personagens:
‘O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?’
Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma.




A apresentação das personagens

Numa narrativa bem construída como a de Caso de Secretária, percebemos que as personagens possuem uma história além daquela que conhecemos por meio da matéria narrada. O protagonista, por exemplo, refere-se no 1º parágrafo a comportamentos da família anteriores ao momento em que se inicia a história. No final, ficamos imaginando sua expressão de surpresa e talvez de um certo vexame, enquanto recebe a surpresa.

Assim, para tornar mais bem escrita e verdadeira a história que vamos contar, devemos tentar inseri-la no conhecimento que temos do mundo, imaginando como as personagens eram antes do conflito que pretendemos elaborar, e também como seriam após a última linha do texto. Se conseguirmos esse grau de verossimilhança na lógica do texto – associando-a à lógica do real – transformaremos nossa história naquilo que é, de fato, uma história: um flash na vida de alguém, que talvez possa mudá-lo parcial ou totalmente, mas que não deixa de ser um flash... desta forma, não há dúvida de que nossos leitores ficarão mais atentos e interessados naquilo que estivermos contando.

Caso de Secretária, de Carlos Drummond de Andrade

Foi trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se esquecido.

Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para os seus, que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos!

Mas, no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e entretanto o lembrara. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e eficiente, pé de boi da firma, como até então a considerara; era um coração amigo.

Passada a surpresa, sentiu-se ainda mais borocochô: o carinho da secretária não curava, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis entre os dedos, sem gosto para viver.

Durante o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá-lo, como se medisse toda a sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis, e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da parte dela.

‘O senhor vai comemorar em casa ou numa boate?’

Engasgado, confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.

‘Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos’, insinuou ela, discretamente.
E não é que podiam mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentida – o pessoal lá em casa pouco está ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher que – reparava agora – era bem bonita.

Daí por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário, ele principalmente. Conteve-se, no prazer ansioso da espera.

- Onde você prefere ir? – perguntou, ao saírem.

- Se não se importa, vamos passar primeiro no meu apartamento. Preciso trocar de roupa.

Ótimo, pensou ele; faz-se a inspeção prévia do terreno e, quem sabe?

- Mas antes quero um drinque, para animar – ela retificou.

Foram ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e de fazer anos, como começou a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe no braço.

No apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse-lhe que o usasse sem cerimônia.

Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater – e o sorriso dela, dizendo isso, era uma promessa de felicidade.

Ele nem percebeu ao certo se estava se arrumando ou se desarrumando, de tal modo que os quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda abriu a porta do quarto.

Lá dentro, sua mulher e seus filhos, em coro com a secretária, esperavam-no atacando “Parabéns para você”.


ANDRADE, Carlos Drummond de. Cadeira de Balanço.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988.

Contos de enigma: O que é?

De acordo com o Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa, enigma é:
substantivo masculino.
1 definição de algo por suas qualidades ou particularidades, mas difícil de entender;
2 Derivação: por extensão de sentido. texto ou parte dele, frase ou discurso cujo sentido seja incompreensível ou ambíguo
Ex.: os oráculos manifestavam-se por enigmas
3 Derivação: por extensão de sentido.
m.q. adivinha (lud)
4 Derivação: por extensão de sentido.
qualquer coisa de difícil explicação
Ex.: sua rápida promoção constitui para nós um e.
5 Derivação: por metonímia.
indivíduo cujas atitudes e sentimentos são indecifráveis
Ex.: depois de tantos anos juntos, a mulher continuava um e. para ele



CONTOS DE ENIGMA


O romance é uma narrativa um pouco mais longa que o conto. Os romances podem se configurar de diferentes maneiras e alguns apresentam características específicas, como o romance policial, o romance de aventura, o de ficção científica, entre outros. No entanto, há contos ou romances, que se destacam, em particular, por conter um enigma.

Em geral, os contos de enigma "apresentam" ao leitor algumas informações iniciais relacionadas ao tempo e ao espaço da narrativa.

As narrativas de enigma se caracterizam, entre outros elementos, por apresentar um crime ou um mistério a ser desvendado. Por esse motivo, essas histórias, geralmente, apresentam a figura de um detetive ou de alguém que desempenha o papel de esclarecer o enigma, tornando-se um herói após desmembrar todo o "problema".

Alguns elementos do gênero:
* Há sempre um mistério a ser desvendado.
* A investigação do enigma corresponde ao foco principal da história.
* Caso o mistério corresponda a um crime, no início da narrativa são apresentados alguns indícios deixados pelo culpado.
* Conforme surgem pistas sobre o crime, possíveis culpados e novos suspeitos ganham destaque na narrativa.
* Os enigmas são desvendados por meio de raciocínio lógico.
* O suspense, o medo e o desejo de saber são ingredientes importantes na trama.
* Os romances e os contos de enigma estebelecem um jogo entre o leitor e a narrativa.
* Por meio do texto, o leitor assume uma postura investigativa.
Sugestões de leitura:

O Caso do Cofre Arrombado: http://sitededicas.uol.com.br/enigma_17a.htm

A Porta de Pedra: http://sitededicas.uol.com.br/enig9_p1.htm

Bilhete: O que é?


substantivo masculino
1 carta ou mensagem reduzida ao essencial na forma e no conteúdo
2 Derivação: por metonímia.
o papel escrito que lhe serve de suporte
3 impresso que serve como ingresso a espetáculo, reunião etc.; ingresso, convite
Ex.: b. de circo, de cinema
4 impresso que permite o transporte por via aérea, marítima, férrea, rodoviária etc.
Exs.: b. de avião
b. de ônibus
5 cédula numerada que habilita a receber prêmio em sorteio de rifa, loteria ou jogo similar
Ex.: b. de loteria
6 Rubrica: arquitetura.
m.q. bilheta

Fonte: Dicionário Houauiss da Língua Portuguesa




O que é bilhete? O bilhete pode ter significados diversos, pois pode ser uma espécie de documento (com valor de comprovante) ou pode ser um breve recado escrito para parentes, amigos, e/ou namorado(a).

Bebês choram no idioma materno, diz estudo


05/11/2009 - 21h15

Da Efe
Desde seus primeiros dias de vida, os bebês choram em francês, inglês ou português, já que ao emitirem seus primeiros sons levam a marca do idioma de seus pais, afirma um estudo publicado hoje no site da publicação "Current Biology".



A descoberta sugere que os bebês captam elementos do que será seu idioma materno ainda na barriga da mãe, muito antes de suas primeiras palavras.

"A descoberta mais espetacular do estudo é que os recém-nascidos humanos não são só capazes de reproduzir diferentes tons quando choram, mas preferem os tipos de sons típicos do idioma que ouviram quando feto, no último trimestre de gestação", diz Kathleen Wermke, da universidade de Wuerzburg (Alemanha) e uma das autoras do estudo.


Segundo Wermke, ao contrário do que indicam as interpretações mais conservadoras, os resultados do estudo mostram a importância do choro para o futuro desenvolvimento da linguagem.


A equipe de Wermke gravou e analisou o choro de 60 bebês saudáveis, 30 deles de famílias francesas e os outros 30 de famílias alemãs, entre três e cinco dias após o nascimento. A análise revelou claras diferenças com base no idioma materno.


No experimento, os bebês franceses tenderam a chorar em um tom ascendente, enquanto os alemães faziam em um tom descendente, diferenças características entre os dois idiomas, como explicou Wermke.


Estudos anteriores já tinham demonstrado que os fetos humanos são capazes de memorizar sons do mundo externo nos últimos três meses de gestação.


Mas embora se soubesse que a exposição antes do parto ao idioma materno influía na percepção dos recém-nascidos, pensava-se que seus efeitos sobre a emissão de sons se davam de forma muito mais tardia.


Segundo o estudo, os recém-nascidos preferem a voz da mãe a todas as demais, percebem o conteúdo emocional das mensagens enviadas mediante a entonação, e sentem uma forte motivação de imitá-la para atraí-la e criar laços afetivos.


Fonte: UOL -> http://noticias.uol.com.br/ultnot/cienciaesaude/ultnot/efe/2009/11/05/bebes-choram-no-idioma-materno-diz-estudo.jhtm

Sementes, de Walter Medeiros

Um dia as traças comeram um livro
E o livro foi embora para sempre
Deixando cá em mim uma semente,
Algo bem forte, duradouro e vivo.

Neste amanhecer que chega diferente
Hoje busco na memória um lenitivo
Pra rever certo passado tão ativo,
Animando vez por outra minha mente.

Nem a Internet me traz em um arquivo
Sobre amor e amizade, um incentivo
Nesta tela tão bela em minha frente;

Pois queria encontrar aqui, latente,
Aquele texto que se foi em frente
E nunca mais o li, mas bem cativo.

A verdade sobre a morte das vítimas do aborto,de Walter Medeiros

No pé da Serra da Onça -

Alto sertão de Alagoas -

O povo gosta de loas

Mas tem a maior responsa:

Criança, jovem e coroas

Discutem as coisas boas

E combatem gente sonsa.



Pois numa noite bem mansa,

A lua branqueando o Céu,

Foi de tirar o chapéu

E não perder na lembrança

O filho de Dona Bel

Enfrentou seu Miruel

Num assunto que não cansa.



Seu Miruel é ateu,

Do bem ele quer distância;

Homem cheio de ganância,

Rouba até parente seu.

Uma triste discrepância

Que deixa muitos na ânsia

De vê-lo comendo breu.



Além de tudo é perverso,

Sem ética nem moral;

É mesmo gente do mal,

Mas está no Universo;

E seu maior ideal

É ver uma lei fatal

Nascer num novo processo.



Ele defende o aborto,

É homem muito falante,

Tem um tom repugnante

Mas não quero lhe ver morto;

Quero que ele se espante

Com a verdade de Dante

Que é matar um zigoto.



Ao vê-lo todo exaltado,

O filho de dona Bel

Que nunca foi bacharel

Nem tinha sido testado,

Olhou a barra do Céu

E até quem tava ao léu

Foi ouvir o seu recado:



- Neste dia iluminado

Da minha amada vida,

Esta pendenga sofrida,

Cheia de arrazoado,

Ganha a maior guarida

Para ser bem referida

Neste momento rimado.



- Pois neste mundo malvado,

De tanto conceito torto,

Vou também falar do aborto,

Que está sendo analisado

Da roça ao cais do porto,

Temos muito bebê morto

E outros sendo assassinados.



- Alguém terá desconforto,

Mas quero falar da vida

Que é sempre concebida

Como semente no horto,

Quando a mãe engravida

No instante dá guarida

Ao pequenino zigoto.



- Não sei por quê se duvida

Daquele exato momento

Onde surge o rebento

E a pessoa é concebida;

Nem mesmo o mais avarento

Teria outro pensamento

Sobre aquela nova vida.



Ao ver o homem rimando

O povo ficou feliz,

Pois um simples aprendiz

Estava ali ensinando

O que a gente boa diz

No templo e na matriz

E ele foi assimilando.



É mesmo sinal dos tempos

Tamanha aberração,

Pessoas sem gratidão

Que um dia foram rebentos,

Mas defendem punição

Pra quem não tem condição

De defender um intento.



Depois da vida formada

Seus direitos se garantem;

Nem mesmo o mais falante

Consegue mudar mais nada,

Pois se mudar é mandante

De um crime horripilante

Contra a vida iniciada.



Não pode ter exceção,

Nem ser regulamentada,

Se não pode fazer nada

Durante a operação

A mãe pode ser poupada

Mas a criança gerada

Também precisa atenção.



- O que ocorre, entretanto,

É que a coisa é diferente,

Pois tem muito delinqüente

Deixando gente em pranto,

Fazendo aborto indecente

Traumatiza nossa gente

Ou manda pro campo santo.



O filho de Dona Bel

Que tem pequeno apelido

É conhecido por Dido

Falou até de bordel

Foi bastante aplaudido

E se já era querido

Virou rival de Miruel.



- Aborto é incompetência

De pretensos governantes

Que podem ser bem falantes

Mas inventam na ciência

Motivos extravagantes

Pra matar feito marchantes

Muitos fetos, sem clemência.



O filho que foi gerado

Precisa mesmo nascer

Seu direito de viver

Tem de ser assegurado

E o país tem que fazer

Toda segurança ter

Pra não ser prejudicado.



Para evitar o aborto

Tanta gente sem apego

Só precisa de sossego

Não pode fingir de morto

Saúde, escola, emprego,

Formam o melhor arrego

E acaba este ideal torto.



A questão é complicada

De saúde e de moral

Em busca do ideal

Tem gente desesperada

Pois no âmbito legal

Também precisa de aval

Debaixo daquela espada.



Assunto tão vasto assim

Precisa de discussão

Para não ficar na mão

Ou pra não passar por ruim

Vamos ter reunião

Para saber a razão

De tanto aborto enfim.



Aborto é assassinato

De pequeno ser humano

Um gesto muito tirano

Um triste e horrendo fato

Pois o feto com os anos

Sem perigo de enganos

Pode ser Messias nato.



Uma criança, um filho,

É o que o feto é

Na barriga da mulher

Pode não ter todo brilho

Pois quando em Nazaré

Maria provou a fé

Jesus não foi empecilho.



Quem pode dispor na vida

Da vida de outro alguém?

Eu não conheço ninguém,

Pessoa tão atrevida

Que tenha tanto desdém

Para fazer algo além

Dessa missão recebida



Uma nova vida humana

Não pertence a ninguém

Nem mesmo a mãe detém

A potência tão profana

Pegar futuro nenén

Matar um Matusalém

Que dura poucas semanas



Miruel estava calado,

Ouvia a rima do Dido

Mas com um tom atrevido

Resolveu dar um recado

Que o aborto tinha sentido

Pois ele tinha ouvido

A fala de um deputado.



Dido então se concentrou

E virou-se pro seu lado

Com um tom emocionado

Rapidamente pensou

E naquele seu rimado

Sem se sentir rebaixado

Mais uma rima mandou:



- Já pensou, seu deputado,

Se a sua genitora

Fosse uma abortadora

Quando o senhor foi gerado?

O Brasil outro seria

O senhor não viveria

Tinha sido assassinado.



Mostrando conhecimento

Dido estava inspirado

E Miruel, meio acuado,

Já estava meio bufento

Já que tinha começado

Ficava todo animado

A cada novo momento.



Ninguém sabe de onde veio

A carga de informação

Talvez da televisão

Pois ele nunca fez feio

Assiste a programação

Se liga até no plantão

E nunca tem aperreio.



O jovem continuou

Sua bela prelação

Naquela situação

O aborto ele taxou

De morte sem compaixão

Pois lá na fecundação

A vida já se formou.



Aborto é infanticídio

Pois a mãe mata o filho

Que considera empecilho

Isso também deu no vídeo

Mas é também um martírio

Não digam que é delírio

Pois é tudo homicídio.



Tem quem diga que o aborto

É uma “interrupção”

Isso não é nada são

Por resultar em bebê morto

É uma intervenção

Sem qualquer contemplação

Deixa Miruel num oito.



Se trata de defender

Quem não pode protestar

Pois gerado já está

Deseja sobreviver

Mas alguém quer lhe matar

Se sua mãe abortar

Seu direito é só sofrer.



Além de ser natural

A ida tem algo mais

Deus disse “Não matarás”

Como lembra o Cardeal

O pastor não fica atrás

Diz que é o Satanaz

Que provoca tanto mal.



A ciência comprovou

Algo ainda mais triste

No feto o sistema existe

E ele sente muita dor

Mas a maldade persiste

O desumano não desiste

E anestesia indicou.



Sei que não falei de tudo

Disse Dido a Miruel,

Mas mostrei que é crurel

Você ficou meio mudo

Quem sabe se esse cordel

Não tira você do fel

E lhe faz menos sizudo?



Miruel se concentrou

Para dar sua resposta

Com a voz sempre imposta,

Mas uma lágrima rolou;

Como quem perde uma aposta

Ele admitiu que gosta

Do que Dido lhe falou.



Disse que ia refletir

Sobre coisa tão exata

Que seu amigo relata

Sem intenção de ferir

Sabe que aborto mata

E agora até se retrata

Querendo se redimir.



Dido então se despediu

Abraçando Miruel

Seu jeito de coronel

Parece que se esvaiu

Os dois olharam pro Céu

E como quem toma um mel

A dupla então se uniu.



Agora a causa da vida

Ganha um grande aliado

O homem chegou vaiado

No fim já tinha torcida

E aquela idéia sonhada

Pode ser realizada

Já está sendo aplaudida.



FIM


AUTOR: Escritor, poeta, jornalista e advogado potiguar Walter Medeiros, que foi um dos fundadores do jornal O Galo, da Fundação José Augusto, além de participar de outras tantas publicações. No espaço está disponível “Abelardo, o alcoólatra” entre outras obras, dicas e links de cordel.

Fonte: http://www.rnsites.com.br/cordeis-aborto.htm

Biografia X Autobiografia


Biografia: substantivo feminino
1 narração oral, escrita ou visual dos fatos particulares das várias fases da vida de uma pessoa ou personagem
2 Derivação: por metonímia.
o suporte físico (livro, filme, texto teatral, disco óptico etc.) onde se insere uma biografia
3 a história da vida de alguém
Ex.: sua b. é muito simples
4 Diacronismo: obsoleto.
compilação de biografias de homens célebres
Ex.: b. universal
5 Rubrica: literatura.
gênero literário cujo objeto é o relato da aventura biográfica de uma pessoa ou de uma personagem
6 ciência relativa a essa espécie de descrição
Ex.: um especialista em b.

Autobiografia: substantivo feminino
narração sobre a vida de um indivíduo, escrita pelo próprio, sob forma documental ou ficcional

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A vovó, de Hans Christian Andersen




A vovó é muito velha, tem muitas rugas e o cabelo muito branco, mas os seus olhos brilham como duas estrelas, e são até mesmo mais belos do que as próprias estrelas, e tão doces, tão agradáveis de ver. Além disso, ela sabe as histórias mais esplêndidas e tem uma roupa com flores grandes, enormes, como seda grossa, que ruge.

A vovó sabe tanto, porque viveu muito mais tempo do que os meus pais, é claro. Tem um livro de orações com grandes incrustações de prata e o lê com frequência; no meio dele há um rosa, já muito amassada e seca, e não é tão bela como as rosas que ela tem no vaso, mas, apesar disso, sorri tão ternamente ao fitá-la que os seus olhos chegam a ficar rasos d´água. Por que contempla a vovó assim a rosa seca no livro velho? Sabe por quê? Porque toda vez que as lágrimas da vovó caem sobre a flor, a cor desta se reaviva, a rosa se abre e a sala inteira se enche com o perfume, as paredes se derretem, como se fossem pura neve, e, de repente, surge o bosque verde e esplêndido, onde o sol resplandece entre as folhas, e a vovó – sim, rejuvenesce – é uma linda moça de cachos loiros, faces arredondadas e vermelhas, bela e encantadora, nenhuma rosa é mais perfumada, mas os seus olhos, doces e graciosos, continuam sendo os da vovó. Ao seu lado, senta-se um homem, jovem, forte e belo; oferece-lhe a rosa e ela sorri: não é esse o sorriso da vovó? Oh, claro que é o sorriso dela! Ele se foi. Pensou-se e imaginou-se todo tipo de coisas, mas o fato é que o homem garboso se foi, a rosa jaz no livro de orações e a vovó – aqui sentada de novo – é uma velha e contempla a rosa seca que há dentro do livro.

Agora a vovó não está mais conosco, pois morreu. Estava sentada numa poltrona, contando uma história comprida e maravilhosa.

- Basta – disse. – Estou muito cansada, deixem-me dormir um pouco.

Inclinou-se para trás e respirou profundamente; dormia, porém foi ficando cada vez mais imóvel e tinha o rosto repleto de liberdade e felicidade, como se o sol o estivesse iluminando, e, então, disseram que ela morrera.

Deitaram-na num caixão preto, envolta numa mortalha branca, estava linda, mesmo de olhos fechados, todas as rugas haviam desaparecido, jazia com o sorriso nos lábios. Tinha o cabelo cor de prata e era tão venerável que não causava temor vê-la morta, pois continuava sendo doce, bondosa vovó. Puseram-lhe o livro de orações debaixo da cabeça, conforme ela pedira, e a rosa ficou no livro velho, em seguida enterraram a vovó.

Na sepultura, junto à taipa do cemitério, plantaram uma roseira, que se encheu de flores, o rouxinol cantou sobre ela, e na igreja o órgão tocava os hinos mais belos que estavam no livro debaixo da cabeça da morta. A lua iluminava a sepultura, mas a morta não estava ali. As crianças podiam correr no silêncio da noite e arrancar uma rosa da taipa do cemitério. Um morto sabe mais do que todos os vivos, sabe o terror que sentiríamos ante algo tão inusitado como a sua reaparição, para vir até nós. Os mortos são melhores do que os vivos e por isso não voltam. Há terra sobre o caixão, há terra dentro dele. O livro de hinos e as suas páginas se tornaram pó, a rosa com todas as suas recordações se desfizeram em pó; mas acima florescem novas rosas, acima canta o rouxinol, toca o órgão, recorda-se a velha vovó de doces olhos, eternamente jovens. Os olhos não podem morrer jamais; os nossos a verão um dia, moça e bela, como quando pela primeira vez ela beijou a rosa fresca e vermelha que agora é pó na tumba.


ANDERSEN, Hans Christian in Contos e histórias. Ed. Landy.