sexta-feira, 16 de abril de 2010

A vovó, de Hans Christian Andersen




A vovó é muito velha, tem muitas rugas e o cabelo muito branco, mas os seus olhos brilham como duas estrelas, e são até mesmo mais belos do que as próprias estrelas, e tão doces, tão agradáveis de ver. Além disso, ela sabe as histórias mais esplêndidas e tem uma roupa com flores grandes, enormes, como seda grossa, que ruge.

A vovó sabe tanto, porque viveu muito mais tempo do que os meus pais, é claro. Tem um livro de orações com grandes incrustações de prata e o lê com frequência; no meio dele há um rosa, já muito amassada e seca, e não é tão bela como as rosas que ela tem no vaso, mas, apesar disso, sorri tão ternamente ao fitá-la que os seus olhos chegam a ficar rasos d´água. Por que contempla a vovó assim a rosa seca no livro velho? Sabe por quê? Porque toda vez que as lágrimas da vovó caem sobre a flor, a cor desta se reaviva, a rosa se abre e a sala inteira se enche com o perfume, as paredes se derretem, como se fossem pura neve, e, de repente, surge o bosque verde e esplêndido, onde o sol resplandece entre as folhas, e a vovó – sim, rejuvenesce – é uma linda moça de cachos loiros, faces arredondadas e vermelhas, bela e encantadora, nenhuma rosa é mais perfumada, mas os seus olhos, doces e graciosos, continuam sendo os da vovó. Ao seu lado, senta-se um homem, jovem, forte e belo; oferece-lhe a rosa e ela sorri: não é esse o sorriso da vovó? Oh, claro que é o sorriso dela! Ele se foi. Pensou-se e imaginou-se todo tipo de coisas, mas o fato é que o homem garboso se foi, a rosa jaz no livro de orações e a vovó – aqui sentada de novo – é uma velha e contempla a rosa seca que há dentro do livro.

Agora a vovó não está mais conosco, pois morreu. Estava sentada numa poltrona, contando uma história comprida e maravilhosa.

- Basta – disse. – Estou muito cansada, deixem-me dormir um pouco.

Inclinou-se para trás e respirou profundamente; dormia, porém foi ficando cada vez mais imóvel e tinha o rosto repleto de liberdade e felicidade, como se o sol o estivesse iluminando, e, então, disseram que ela morrera.

Deitaram-na num caixão preto, envolta numa mortalha branca, estava linda, mesmo de olhos fechados, todas as rugas haviam desaparecido, jazia com o sorriso nos lábios. Tinha o cabelo cor de prata e era tão venerável que não causava temor vê-la morta, pois continuava sendo doce, bondosa vovó. Puseram-lhe o livro de orações debaixo da cabeça, conforme ela pedira, e a rosa ficou no livro velho, em seguida enterraram a vovó.

Na sepultura, junto à taipa do cemitério, plantaram uma roseira, que se encheu de flores, o rouxinol cantou sobre ela, e na igreja o órgão tocava os hinos mais belos que estavam no livro debaixo da cabeça da morta. A lua iluminava a sepultura, mas a morta não estava ali. As crianças podiam correr no silêncio da noite e arrancar uma rosa da taipa do cemitério. Um morto sabe mais do que todos os vivos, sabe o terror que sentiríamos ante algo tão inusitado como a sua reaparição, para vir até nós. Os mortos são melhores do que os vivos e por isso não voltam. Há terra sobre o caixão, há terra dentro dele. O livro de hinos e as suas páginas se tornaram pó, a rosa com todas as suas recordações se desfizeram em pó; mas acima florescem novas rosas, acima canta o rouxinol, toca o órgão, recorda-se a velha vovó de doces olhos, eternamente jovens. Os olhos não podem morrer jamais; os nossos a verão um dia, moça e bela, como quando pela primeira vez ela beijou a rosa fresca e vermelha que agora é pó na tumba.


ANDERSEN, Hans Christian in Contos e histórias. Ed. Landy.

Um comentário:

  1. Que este espaço virtual renda bons frutos. Um abraço da professora, Mary Ellen.

    ResponderExcluir